—
Porra Raphael, temos de sair daqui o mais rápido possível, isso é demais para
gente, chefe. — Leonel pegou o rádio que trazia preso à cintura e tentou falar
com a Central, apenas tentou, pois o chão se abriu como a boca de uma fera e
engoliu suas pernas. — Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh, pelo amor de Deus, não deixa está
maldita me levar! Pelo amor de Deus!
—
Eu vou pegar cada um de vocês... — Era uma voz feminina, seria doce se ela não viesse
das paredes, chão e teto. A fenda aberta no chão parecia mastigar as pernas de
Leonel que gritava de dor, Anderson e Raphael tentavam tirar o companheiro
dali, mas isso só parecia agravar ainda mais os gritos. Bella se mantinha em
choque, sons de passos vieram da escada e ela viu novamente o menino chamando-a,
as lágrimas de sangue continuavam a descer, manchando os trapos que a criança
vestia. Leonel já vertia sangue pela boca, quando o chão engoliu sua cintura,
Raphael e Anderson tentaram colocar ainda mais força em puxá-lo, mas só
conseguiram tirar metade dele, tripas, vísceras e fezes saíram do corpo. Em
desespero, Bella segurou a mão de Raphael e o puxou na direção que o menino
indicava.
— Onde você está me levando? Precisamos
salvar Leonel. — Raphael tentava parar Isabelle, mas ela o arrastava, Bella
parecia tomada por uma força conhecida apenas em meio à loucura ou desespero.
Anderson parecia compreender que não havia mais salvação para o amigo e seguiu
a repórter e seu líder, gargalhadas e sons de gritos vinham de todos os lados
da casa, como se ao mesmo tempo a Bruxa estivesse em festa por sua nova vida e
se suas vítimas ainda sofressem pelas torturas que haviam sido impostas a
elas. — Para onde diabos você está nos
levando? Fala, porra!
Bella
não respondeu, continuou a descer sem dar atenção às palavras de Raphael. O
menino que chorava sangue a esperava na porta de um dos quartos. Ele tinha em
seu olhar o medo e a dor, mas Isabelle confiava nele, para ela o menino era a
vela na escuridão, um último ponto de esperança em meio à loucura e a dor. Isabelle
tentou abrir a porta, mas ela não se abriu. Anderson se lançou uma, duas, três,
quatro, cinco vezes contra a porta, até que ela cedesse e eles pudessem entrar,
era um quarto pobre, com pouco mobilha, porém o que chamava a atenção eram as
peles humanas penduradas por pregos na parede, como uma exposição bizarra.
Anderson fechou a porta e colocou uma cadeira contra ela, como se algo pudesse
deter o mal que ali habitava, sobre a escrivaninha, havia um velho diário
esquecido há tanto tempo que ninguém sabia o quanto, Bella caminhou na direção
dele, quase inconscientemente, ela se sentou na cadeira e começou a ler.
“—
A juventude é passageira e isso eu não posso permitir, não depois de ter a vida
miserável que tive, vou descobrir uma maneira de ser linda e jovem para sempre,
o sangue das crianças ajudam muito, mas ainda não tem efeitos duradouros, a
pele que coloco sobre a minha tem ajudado muito também, mas a morte me
perseguiu como um cão feroz...”
—
Solte está merda agora, isso não te pertence! — A voz que saía da boca de
Raphael era um misto entre a dele e a da Bruxa, em sua boca surgia um sorriso
maligno. — Eu vou adorar arrancar sua pele com você viva e depois me banhar no
seu sangue.
—
Chefe, que porra é essa? — Raphael/Barbara olhou para o policial em choque e o
segurou pelo pescoço, o policial tentou tirar a arma que estava na sua cintura,
mas foi jogado do outro lado do quarto, o som de quando bateu contra a parede,
houve um som de uma fruta podre sendo esmagada, imediatamente o prédio absorveu
o sangue que escorria do corpo em convulsão de Anderson.
Bella
não esperou que a Bruxa se voltasse novamente para ela, desbloqueou a porta e
correu para o andar de baixo, mas o prédio parecia não querer permitir que a repórter
saísse dali, pedaços de madeira voavam de um lado para o outro ferindo o rosto,
os braços e as pernas de Isabelle, seu único pensamente era: “Por que não ouvi
o conselho daquela senhora?”. Ao chegar à entrada do prédio, viu que não havia
mais porta, era tudo uma grande parede, sombras saíam de todos os cantos,
gemendo, eram as almas condenadas a vagar eternamente pelos ritos de magia
negra, feitos por Barbara dos Prazeres. Raphael/Barbara descia calmamente e os
espíritos se afastavam com medo que ela pudesse fazer algo ainda pior que
condená-los a viver naquela eterna semi-vida, sobre o corpo de Raphael se via
uma silueta feminina.
—
Você ainda não pode sair... — O misto das vozes de Barbara e Raphael causava
calafrios em Isabelle. A Bruxa no corpo do detetive sorria e Bella não
conseguia compreender o porquê de estar passando por aquele pesadelo, tudo que
sabia era que se não escapasse da bruxa, estaria morta. — Ainda temos muito que
fazer... — Raphael/Barbara sorriu e murmurou palavras em uma língua que
Isabelle não compreendia, mas sabia que não era nada bom. — Sabe o que acho
mais fantástico nestes prédios velhos? — Bella permaneceu em silêncio, olhando
para a Bruxa encarnada no detetive... — Eles têm muitas histórias, existe vida
nestas paredes.
Das
paredes e do teto sangue começou a escorrer, não apenas algumas gotas, era
quase como uma inundação, o sangue que descia não se acumulava no chão, ele
seguia na direção da Bruxa. Bella se viu tomada por um misto de fascínio e
horror, mesmo sabendo que a morte a aguardava, ela não deixou de se ver
fascinada por toda aquela energia maldita, mesmo os espíritos começaram a se
desfazer e se misturar no sangue, formando rostos em expressões de agonia, que
subiam pelo corpo de Raphael, a silueta foi ficando cada vez mais real, quase
palpável, Bárbara deveria ter sido uma linda mulher, mas as marcas de uma vida
inteira de prostituição estavam em sua face, mostrando o que se prostituir
naquela época podia causar, seu olho esquerdo era leitoso, além das marcas em
seu rosto por conta da sífilis, feridas pelo rosto.
—
Tudo que eu queria era ser eternamente linda e jovem, mas O Tempo é um inimigo
voraz que destrói tudo... Ele rouba nossas qualidades e nos destrói. —
Raphael/Bárbara caminhou na direção de uma Isabelle apavorada demais para
correr. — Mas eu descobri como vencê-lo, eu posso trocar de corpos e ser
eterna. — Raphael/Bárbara sorriu de uma maneira quase afetuosa, as mãos da
Bruxa percorreram o rosto de Bella, sentindo a textura firme das maçãs, desceu
seus dedos pelo pescoço da bela repórter, tocou os seios firme e sorriu ao
perceber que o corpo masculino que ela estava possuindo respondia a beleza da
mulher a sua frente. — Eu tomarei seu corpo e voltarei a ser linda e jovem, e
assim será para sempre.
—
Não vou permitir que você faça isso, prefiro morrer. — A Bruxa se surpreendeu
ao ver que Isabelle havia recuperado o controle, mas antes que a Bruxa pudesse
fazer algo, Bella lhe aplicou uma joelhada na virilha que deixou
Raphael/Bárbara no chão. A repórter correu ouvindo todo prédio ranger como se
ele e a Bruxa fossem um só, Isabelle foi de volta para o quarto e novamente se
fechou lá. — Onde está você garoto? E por que me queria aqui?
A
estranha criança não apareceu, Bella estava cada vez mais nervosa, ela esperava
que o garoto mostrasse a saída daquele inferno, a repórter conseguia ouvir os
passos da Bruxa se aproximando, ela olhou para os lados procurando uma local
onde pudesse se esconder, mas sabia que era impossível fugir de dentro daquele
prédio. Raphael/Bárbara apareceram já dentro do quarto, como se todo aquele
prédio se curvasse à vontade da Bruxa, os cabos elétricos saíram das paredes e do
teto como serpentes prendendo mãos e pés de Isabelle, os cabos foram rasgando
as roupas de Bella sem ferir seu corpo, o teto se abriu levando-a para uma sala
que ela ainda não tinha visto, talvez por que nunca esteve lá, antes daquele
momento.
—
Aqui farei de você meu receptáculo, minha alma será novamente jovem, até que a
juventude te abandone e eu também. — A Bruxa ficou olhando o corpo perfeito de
Isabelle, cada curva dava a Bruxa mais desejo de possuí-la, pois nunca antes
ela havia sido um homem, nunca antes teve a oportunidade de saber como era
estar do outro lado, aquilo despertou nela um desejo sádico, pois por muitas
vezes abusaram dela, e ela se achava no direito de saber como era, queria
sentir o poder de dominar, amedrontar. — Mas antes preciso aproveitar a
oportunidade que tenho.
Os
cabos a soltaram sobre uma mesa, por um instante Isabelle não compreendeu o que
a Bruxa queria, até que Raphael/Bárbara começou a se despir, aquilo era sem
sombra de dúvida muito pior do que Bella podia conceber, além de saber que
teria sua alma tirada de seu corpo, agora seria molestada, seria duplamente
violentada, além do corpo, teria sua alma dilacerada, sua mente se lembrou das
milhares de história que havia lido ou até escrito sobre mulheres estupradas e
chorou, o que fez a bruxa sorrir ainda mais.
Bella
tentou correr, mas não havia uma saída daquela sala, apenas um buraco por onde a
luz da lua entrava, Raphael/Bárbara estava ali, nu, olhando para ela com a
expressão de satisfação no rosto, um desejo horrendo, um misto de maldade e
fome sexual. Isabelle foi tomada pela coragem de um animal acuado e partiu para
cima da entidade, mas era como bater em uma pedra, o corpo de Raphael era
firme, a Bruxa segurou os braços de Bella e a lançou no chão, sobre as roupas
dele, suas pernas acertaram a mesa, fazendo muitas coisas caírem, ela se
debatia tentando impedir que a ela fosse estuprada, se arrastava tentando inutilmente
fugir, mas aquilo só divertia ainda mais à Raphael/Bárbara, “pois o sonho do
oprimido de ontem é ser o opressor de amanhã”, socava o rosto de Raphael/Bárbara,
mas seus golpes eram inúteis frente à entidade maligna. A Bruxa empurrou
Isabelle, fazendo-a cair e passou a língua em seu pescoço.
Foi
quando suas mãos se fecharam sobre um punhal, como se a lâmina brotasse do
próprio prédio, ela cravou o punhal no olho direito de Raphael/Bárbara fazendo
com que a entidade gritasse de dor, novamente a casa gemeu, pequenos pedaços da
casa mal conservada caíram. Bella podia sentir o chão e as paredes vibrarem
pela dor causada a sua dona, num dos cantos do cômodo ela viu o garoto
sorrindo, ele havia feito o punhal surgir, aquilo era sua paga a dor que a maldita
Bruxa havia causado não só a ele, como a tantos outros que morrendo ali. A
repórter se colocou de pé e novamente tentou correr, mas seus pés enrolam no blazer
de Raphael fazendo-a cair. Isabelle ainda tentava se levantar, quando viu a
pedra vermelha com veias negras, era o que a Bruxa havia usado para possuir
Raphael, estava perto do maço de cigarros e do isqueiro. A Bruxa se levantou e
olhou para Isabella, depois viu a pedra próxima à mão de Bella, por alguns
instantes a repórter viu o medo no rosto da Bruxa.
—
Fique longe desta pedra! — A Bruxa moveu uma das mãos e os cabos apanharam
novamente as pernas de Isabelle, mas não antes dela pegar a pedra, a blusa e o
isqueiro. — Solte isso e eu a deixarei ir.
—
Isso acaba agora! É o fim do seu reinado de terror! — Isabella envolveu a pedra
na camisa e ateou fogo, depois lançou pelo buraco que entrava a luz da lua,
quase que imediatamente a bruxa começou a gritar e uma rachadura apareceu em
seu rosto, como um diamante que se parte, fumaça saia do corpo de Raphael, logo
Raphael/Bárbara estava em chamas, da pele labaredas saiam e Isabelle assistia a
tudo horrorizada, logo depois foram às paredes e o teto, os cabos soltaram
Bella que percebeu que não tinha para onde fugir, mas parte dela estava feliz
em por um fim nos ritos macabros da bruxa do Arco do Telles.
Uma
porta se abriu e ela pode sair da sala, mas todo o prédio já estava em chamas.
Bella correu em direção às escadas, ignorando as chamas e a dor que as
queimaduras lhe causavam, tudo que ela queria era sobreviver àquele novo
inferno, um inferno que ela própria havia causado, mas tudo que ela via era
fogo e fumaça.
Mesmo
em meio à fumaça e as chamas, Isabelle podia jurar ter visto uma procissão de
almas seguindo em frente para o próximo plano, talvez um lugar onde a loucura e
a vaidade humana não causassem tanta dor ao próximo, talvez existisse um lugar
melhor, seja ele qual for, ela queria ir, mas ficou ali, sofrendo e gritando de
dor, ouviu passou descendo pelas escadas em chamas, era a Bruxa que mesmo em
chamas não havia desistido de lutar.
O
garoto se aproximou de Isabelle e a tomou pela mão, ela entendeu que ele queria
que ela fosse com ele, mas o que seria da Bruxa, ela controlava a casa, o que a
impediria de criar uma porta e sair dali? O prédio não resistiria muito tempo,
pedaços em chamas caiam e a Bruxa gritava de agonia, a repórter mal conseguia
se manter de pé, mas seus olhos estavam na Bruxa que se desfazia como o prédio
antigo, que sua alma abrigou por tanto tempo, até que Raphael/Bárbara caiu sem
forças para lutar.
Bella
deixou seu corpo cair, mas chamas estavam em sua pele, não havia mais saída
para ela, ali morreria, mas havia salvado as almas de tantos, que ela nem podia
saber o número exato. Pouco antes de perder a consciência, Bella viu o menino
novamente ao seu lado, dessa vez ele não mais chorava, estava com um sorriso
nos lábios, o menino deu a mão a Isabelle, ela o seguiu e ele a conduziu para o
outro mundo, longe da dor e da maldade da Bruxa do Arco do Telles.
Os
bombeiros foram chamados antes que aquele incêndio destruísse outras casas do
Rio Antigo, era um trabalho delicado, além de o lugar ser antigo, muitas casas
estavam mal conservadas, algumas pessoas juraram que ouviram gritos vindo de
dentro do lugar, mas não era mais possível entrar com o mínimo de segurança, a prioridade
era eliminar os focos de fogo, quem quer que estivesse gritando dentro do
prédio ou estava morto ou estava à própria sorte.
Os
enfermeiros cuidavam de muitas pessoas que se feriram tentando salvar os
prédios históricos, na maior parte queimaduras leves, moradores de rua foram
atendidos por causa de queimaduras ou por respirarem fumaça demais nada muito
grave, por horas as chamas consumiram o antigo prédio da Bruxa do Arco do
Telles, sons estranhos vinham do prédio e por mais estranho que possa parecer
às chamas não atingiram os outros prédios, mas nada do que foi feito pode apagar
as chamas, era como se a realidade quisesse extirpar o mal que ali habitava,
como se os Deuses finalmente tivessem olhado para aquele prédio maldito e
decidido que era hora dele deixar de existir.
Haviam muitas ambulâncias ali, tentando ajudar
na retirada dos feridos e dar um pouco de atenção ao povo de rua tão ignorado
naquela área. — A Senhora está precisando de algo mais? — Perguntou uma
enfermeira à moradora de rua que horas antes havia avisado Isabelle dos perigos
que ali habitavam. Fátima era uma mulata linda com seus vinte e cinco anos,
cabelos Black e corpo que parecia ter sido feito a mão por um grande escultor.
—
Estou viva, nada que algum descanso não resolva, eu avisei que a Bruxa mataria
todos, eu falei mais ninguém acreditou em mim, talvez eu também não acreditasse
em mim no lugar deles. — A disse Marilda, a morada de rua que olhava em parte
aliviada , em parte triste com as morte que não pode evitar, a enfermeira
tentou conter o sorriso ao ouvir o que a moradora de rua falava, mas não
conseguiu, não gargalhou, mas sorriu, como todos faziam. A moradora de rua
olhou para a enfermeira e se levantou. — Isso é o que dá tentar ajudar este
povo, eles riem na sua cara, mas tudo bem minha vida é assim mesmo.
—
Calma senhora, volte aqui. — A enfermeira tentou alcançar a moradora de rua,
mas era tarde, ela olhou para maca a mendiga se afastando e deu de ombros,
retirou as luvas que usava e caminhou para apanhar um novo par quando chutou
uma pequena pedra vermelha com veias negras, não maior que uma moeda de dez
centavos, mas era brilhante e linda. — Acho que é meu dia de sorte.
A
enfermeira se abaixou e pegou a pedra, a pedra era quente, os pelos da nuca da
enfermeira se eriçaram e as chamas do prédio foram rapidamente controladas. Ela
se sentiu mais forte, mais bonita quando se olhou no reflexo da janela da
ambulância, quando caminhou para a ambulância, seu amigo elogiou se novo
requebrado e como ela estava sensual, ela sorriu e ele podia jurar que havia
uma sombra atrás dela e que a sombra também sorria e olhava para ele.
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