Justin Klaus
Justin Klaus › Conto , DC

on sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

A Bruxa do Arco do Telles - Parte Final





— Porra Raphael, temos de sair daqui o mais rápido possível, isso é demais para gente, chefe. — Leonel pegou o rádio que trazia preso à cintura e tentou falar com a Central, apenas tentou, pois o chão se abriu como a boca de uma fera e engoliu suas pernas. — Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh, pelo amor de Deus, não deixa está maldita me levar! Pelo amor de Deus!
— Eu vou pegar cada um de vocês... — Era uma voz feminina, seria doce se ela não viesse das paredes, chão e teto. A fenda aberta no chão parecia mastigar as pernas de Leonel que gritava de dor, Anderson e Raphael tentavam tirar o companheiro dali, mas isso só parecia agravar ainda mais os gritos. Bella se mantinha em choque, sons de passos vieram da escada e ela viu novamente o menino chamando-a, as lágrimas de sangue continuavam a descer, manchando os trapos que a criança vestia. Leonel já vertia sangue pela boca, quando o chão engoliu sua cintura, Raphael e Anderson tentaram colocar ainda mais força em puxá-lo, mas só conseguiram tirar metade dele, tripas, vísceras e fezes saíram do corpo. Em desespero, Bella segurou a mão de Raphael e o puxou na direção que o menino indicava.
     — Onde você está me levando? Precisamos salvar Leonel. — Raphael tentava parar Isabelle, mas ela o arrastava, Bella parecia tomada por uma força conhecida apenas em meio à loucura ou desespero. Anderson parecia compreender que não havia mais salvação para o amigo e seguiu a repórter e seu líder, gargalhadas e sons de gritos vinham de todos os lados da casa, como se ao mesmo tempo a Bruxa estivesse em festa por sua nova vida e se suas vítimas ainda sofressem pelas torturas que haviam sido impostas a elas.  — Para onde diabos você está nos levando? Fala, porra!
Bella não respondeu, continuou a descer sem dar atenção às palavras de Raphael. O menino que chorava sangue a esperava na porta de um dos quartos. Ele tinha em seu olhar o medo e a dor, mas Isabelle confiava nele, para ela o menino era a vela na escuridão, um último ponto de esperança em meio à loucura e a dor. Isabelle tentou abrir a porta, mas ela não se abriu. Anderson se lançou uma, duas, três, quatro, cinco vezes contra a porta, até que ela cedesse e eles pudessem entrar, era um quarto pobre, com pouco mobilha, porém o que chamava a atenção eram as peles humanas penduradas por pregos na parede, como uma exposição bizarra. Anderson fechou a porta e colocou uma cadeira contra ela, como se algo pudesse deter o mal que ali habitava, sobre a escrivaninha, havia um velho diário esquecido há tanto tempo que ninguém sabia o quanto, Bella caminhou na direção dele, quase inconscientemente, ela se sentou na cadeira e começou a ler.
“— A juventude é passageira e isso eu não posso permitir, não depois de ter a vida miserável que tive, vou descobrir uma maneira de ser linda e jovem para sempre, o sangue das crianças ajudam muito, mas ainda não tem efeitos duradouros, a pele que coloco sobre a minha tem ajudado muito também, mas a morte me perseguiu como um cão feroz...”
— Solte está merda agora, isso não te pertence! — A voz que saía da boca de Raphael era um misto entre a dele e a da Bruxa, em sua boca surgia um sorriso maligno. — Eu vou adorar arrancar sua pele com você viva e depois me banhar no seu sangue.
— Chefe, que porra é essa? — Raphael/Barbara olhou para o policial em choque e o segurou pelo pescoço, o policial tentou tirar a arma que estava na sua cintura, mas foi jogado do outro lado do quarto, o som de quando bateu contra a parede, houve um som de uma fruta podre sendo esmagada, imediatamente o prédio absorveu o sangue que escorria do corpo em convulsão de Anderson.
Bella não esperou que a Bruxa se voltasse novamente para ela, desbloqueou a porta e correu para o andar de baixo, mas o prédio parecia não querer permitir que a repórter saísse dali, pedaços de madeira voavam de um lado para o outro ferindo o rosto, os braços e as pernas de Isabelle, seu único pensamente era: “Por que não ouvi o conselho daquela senhora?”. Ao chegar à entrada do prédio, viu que não havia mais porta, era tudo uma grande parede, sombras saíam de todos os cantos, gemendo, eram as almas condenadas a vagar eternamente pelos ritos de magia negra, feitos por Barbara dos Prazeres. Raphael/Barbara descia calmamente e os espíritos se afastavam com medo que ela pudesse fazer algo ainda pior que condená-los a viver naquela eterna semi-vida, sobre o corpo de Raphael se via uma silueta feminina.
— Você ainda não pode sair... — O misto das vozes de Barbara e Raphael causava calafrios em Isabelle. A Bruxa no corpo do detetive sorria e Bella não conseguia compreender o porquê de estar passando por aquele pesadelo, tudo que sabia era que se não escapasse da bruxa, estaria morta. — Ainda temos muito que fazer... — Raphael/Barbara sorriu e murmurou palavras em uma língua que Isabelle não compreendia, mas sabia que não era nada bom. — Sabe o que acho mais fantástico nestes prédios velhos? — Bella permaneceu em silêncio, olhando para a Bruxa encarnada no detetive... — Eles têm muitas histórias, existe vida nestas paredes.
Das paredes e do teto sangue começou a escorrer, não apenas algumas gotas, era quase como uma inundação, o sangue que descia não se acumulava no chão, ele seguia na direção da Bruxa. Bella se viu tomada por um misto de fascínio e horror, mesmo sabendo que a morte a aguardava, ela não deixou de se ver fascinada por toda aquela energia maldita, mesmo os espíritos começaram a se desfazer e se misturar no sangue, formando rostos em expressões de agonia, que subiam pelo corpo de Raphael, a silueta foi ficando cada vez mais real, quase palpável, Bárbara deveria ter sido uma linda mulher, mas as marcas de uma vida inteira de prostituição estavam em sua face, mostrando o que se prostituir naquela época podia causar, seu olho esquerdo era leitoso, além das marcas em seu rosto por conta da sífilis, feridas pelo rosto.
— Tudo que eu queria era ser eternamente linda e jovem, mas O Tempo é um inimigo voraz que destrói tudo... Ele rouba nossas qualidades e nos destrói. — Raphael/Bárbara caminhou na direção de uma Isabelle apavorada demais para correr. — Mas eu descobri como vencê-lo, eu posso trocar de corpos e ser eterna. — Raphael/Bárbara sorriu de uma maneira quase afetuosa, as mãos da Bruxa percorreram o rosto de Bella, sentindo a textura firme das maçãs, desceu seus dedos pelo pescoço da bela repórter, tocou os seios firme e sorriu ao perceber que o corpo masculino que ela estava possuindo respondia a beleza da mulher a sua frente. — Eu tomarei seu corpo e voltarei a ser linda e jovem, e assim será para sempre.
— Não vou permitir que você faça isso, prefiro morrer. — A Bruxa se surpreendeu ao ver que Isabelle havia recuperado o controle, mas antes que a Bruxa pudesse fazer algo, Bella lhe aplicou uma joelhada na virilha que deixou Raphael/Bárbara no chão. A repórter correu ouvindo todo prédio ranger como se ele e a Bruxa fossem um só, Isabelle foi de volta para o quarto e novamente se fechou lá. — Onde está você garoto? E por que me queria aqui?
A estranha criança não apareceu, Bella estava cada vez mais nervosa, ela esperava que o garoto mostrasse a saída daquele inferno, a repórter conseguia ouvir os passos da Bruxa se aproximando, ela olhou para os lados procurando uma local onde pudesse se esconder, mas sabia que era impossível fugir de dentro daquele prédio. Raphael/Bárbara apareceram já dentro do quarto, como se todo aquele prédio se curvasse à vontade da Bruxa, os cabos elétricos saíram das paredes e do teto como serpentes prendendo mãos e pés de Isabelle, os cabos foram rasgando as roupas de Bella sem ferir seu corpo, o teto se abriu levando-a para uma sala que ela ainda não tinha visto, talvez por que nunca esteve lá, antes daquele momento.
— Aqui farei de você meu receptáculo, minha alma será novamente jovem, até que a juventude te abandone e eu também. — A Bruxa ficou olhando o corpo perfeito de Isabelle, cada curva dava a Bruxa mais desejo de possuí-la, pois nunca antes ela havia sido um homem, nunca antes teve a oportunidade de saber como era estar do outro lado, aquilo despertou nela um desejo sádico, pois por muitas vezes abusaram dela, e ela se achava no direito de saber como era, queria sentir o poder de dominar, amedrontar. — Mas antes preciso aproveitar a oportunidade que tenho.
Os cabos a soltaram sobre uma mesa, por um instante Isabelle não compreendeu o que a Bruxa queria, até que Raphael/Bárbara começou a se despir, aquilo era sem sombra de dúvida muito pior do que Bella podia conceber, além de saber que teria sua alma tirada de seu corpo, agora seria molestada, seria duplamente violentada, além do corpo, teria sua alma dilacerada, sua mente se lembrou das milhares de história que havia lido ou até escrito sobre mulheres estupradas e chorou, o que fez a bruxa sorrir ainda mais.
Bella tentou correr, mas não havia uma saída daquela sala, apenas um buraco por onde a luz da lua entrava, Raphael/Bárbara estava ali, nu, olhando para ela com a expressão de satisfação no rosto, um desejo horrendo, um misto de maldade e fome sexual. Isabelle foi tomada pela coragem de um animal acuado e partiu para cima da entidade, mas era como bater em uma pedra, o corpo de Raphael era firme, a Bruxa segurou os braços de Bella e a lançou no chão, sobre as roupas dele, suas pernas acertaram a mesa, fazendo muitas coisas caírem, ela se debatia tentando impedir que a ela fosse estuprada, se arrastava tentando inutilmente fugir, mas aquilo só divertia ainda mais à Raphael/Bárbara, “pois o sonho do oprimido de ontem é ser o opressor de amanhã”, socava o rosto de Raphael/Bárbara, mas seus golpes eram inúteis frente à entidade maligna. A Bruxa empurrou Isabelle, fazendo-a cair e passou a língua em seu pescoço.
Foi quando suas mãos se fecharam sobre um punhal, como se a lâmina brotasse do próprio prédio, ela cravou o punhal no olho direito de Raphael/Bárbara fazendo com que a entidade gritasse de dor, novamente a casa gemeu, pequenos pedaços da casa mal conservada caíram. Bella podia sentir o chão e as paredes vibrarem pela dor causada a sua dona, num dos cantos do cômodo ela viu o garoto sorrindo, ele havia feito o punhal surgir, aquilo era sua paga a dor que a maldita Bruxa havia causado não só a ele, como a tantos outros que morrendo ali. A repórter se colocou de pé e novamente tentou correr, mas seus pés enrolam no blazer de Raphael fazendo-a cair. Isabelle ainda tentava se levantar, quando viu a pedra vermelha com veias negras, era o que a Bruxa havia usado para possuir Raphael, estava perto do maço de cigarros e do isqueiro. A Bruxa se levantou e olhou para Isabella, depois viu a pedra próxima à mão de Bella, por alguns instantes a repórter viu o medo no rosto da Bruxa.
— Fique longe desta pedra! — A Bruxa moveu uma das mãos e os cabos apanharam novamente as pernas de Isabelle, mas não antes dela pegar a pedra, a blusa e o isqueiro. — Solte isso e eu a deixarei ir.
— Isso acaba agora! É o fim do seu reinado de terror! — Isabella envolveu a pedra na camisa e ateou fogo, depois lançou pelo buraco que entrava a luz da lua, quase que imediatamente a bruxa começou a gritar e uma rachadura apareceu em seu rosto, como um diamante que se parte, fumaça saia do corpo de Raphael, logo Raphael/Bárbara estava em chamas, da pele labaredas saiam e Isabelle assistia a tudo horrorizada, logo depois foram às paredes e o teto, os cabos soltaram Bella que percebeu que não tinha para onde fugir, mas parte dela estava feliz em por um fim nos ritos macabros da bruxa do Arco do Telles.
Uma porta se abriu e ela pode sair da sala, mas todo o prédio já estava em chamas. Bella correu em direção às escadas, ignorando as chamas e a dor que as queimaduras lhe causavam, tudo que ela queria era sobreviver àquele novo inferno, um inferno que ela própria havia causado, mas tudo que ela via era fogo e fumaça.
Mesmo em meio à fumaça e as chamas, Isabelle podia jurar ter visto uma procissão de almas seguindo em frente para o próximo plano, talvez um lugar onde a loucura e a vaidade humana não causassem tanta dor ao próximo, talvez existisse um lugar melhor, seja ele qual for, ela queria ir, mas ficou ali, sofrendo e gritando de dor, ouviu passou descendo pelas escadas em chamas, era a Bruxa que mesmo em chamas não havia desistido de lutar.
O garoto se aproximou de Isabelle e a tomou pela mão, ela entendeu que ele queria que ela fosse com ele, mas o que seria da Bruxa, ela controlava a casa, o que a impediria de criar uma porta e sair dali? O prédio não resistiria muito tempo, pedaços em chamas caiam e a Bruxa gritava de agonia, a repórter mal conseguia se manter de pé, mas seus olhos estavam na Bruxa que se desfazia como o prédio antigo, que sua alma abrigou por tanto tempo, até que Raphael/Bárbara caiu sem forças para lutar.
Bella deixou seu corpo cair, mas chamas estavam em sua pele, não havia mais saída para ela, ali morreria, mas havia salvado as almas de tantos, que ela nem podia saber o número exato. Pouco antes de perder a consciência, Bella viu o menino novamente ao seu lado, dessa vez ele não mais chorava, estava com um sorriso nos lábios, o menino deu a mão a Isabelle, ela o seguiu e ele a conduziu para o outro mundo, longe da dor e da maldade da Bruxa do Arco do Telles.
Os bombeiros foram chamados antes que aquele incêndio destruísse outras casas do Rio Antigo, era um trabalho delicado, além de o lugar ser antigo, muitas casas estavam mal conservadas, algumas pessoas juraram que ouviram gritos vindo de dentro do lugar, mas não era mais possível entrar com o mínimo de segurança, a prioridade era eliminar os focos de fogo, quem quer que estivesse gritando dentro do prédio ou estava morto ou estava à própria sorte.
Os enfermeiros cuidavam de muitas pessoas que se feriram tentando salvar os prédios históricos, na maior parte queimaduras leves, moradores de rua foram atendidos por causa de queimaduras ou por respirarem fumaça demais nada muito grave, por horas as chamas consumiram o antigo prédio da Bruxa do Arco do Telles, sons estranhos vinham do prédio e por mais estranho que possa parecer às chamas não atingiram os outros prédios, mas nada do que foi feito pode apagar as chamas, era como se a realidade quisesse extirpar o mal que ali habitava, como se os Deuses finalmente tivessem olhado para aquele prédio maldito e decidido que era hora dele deixar de existir.
 Haviam muitas ambulâncias ali, tentando ajudar na retirada dos feridos e dar um pouco de atenção ao povo de rua tão ignorado naquela área. — A Senhora está precisando de algo mais? — Perguntou uma enfermeira à moradora de rua que horas antes havia avisado Isabelle dos perigos que ali habitavam. Fátima era uma mulata linda com seus vinte e cinco anos, cabelos Black e corpo que parecia ter sido feito a mão por um grande escultor.
— Estou viva, nada que algum descanso não resolva, eu avisei que a Bruxa mataria todos, eu falei mais ninguém acreditou em mim, talvez eu também não acreditasse em mim no lugar deles. — A disse Marilda, a morada de rua que olhava em parte aliviada , em parte triste com as morte que não pode evitar, a enfermeira tentou conter o sorriso ao ouvir o que a moradora de rua falava, mas não conseguiu, não gargalhou, mas sorriu, como todos faziam. A moradora de rua olhou para a enfermeira e se levantou. — Isso é o que dá tentar ajudar este povo, eles riem na sua cara, mas tudo bem minha vida é assim mesmo.
— Calma senhora, volte aqui. — A enfermeira tentou alcançar a moradora de rua, mas era tarde, ela olhou para maca a mendiga se afastando e deu de ombros, retirou as luvas que usava e caminhou para apanhar um novo par quando chutou uma pequena pedra vermelha com veias negras, não maior que uma moeda de dez centavos, mas era brilhante e linda. — Acho que é meu dia de sorte.
A enfermeira se abaixou e pegou a pedra, a pedra era quente, os pelos da nuca da enfermeira se eriçaram e as chamas do prédio foram rapidamente controladas. Ela se sentiu mais forte, mais bonita quando se olhou no reflexo da janela da ambulância, quando caminhou para a ambulância, seu amigo elogiou se novo requebrado e como ela estava sensual, ela sorriu e ele podia jurar que havia uma sombra atrás dela e que a sombra também sorria e olhava para ele.